Bem-vindo ao Acervo da Irmandade dos Clérigos

Neste espaço, dedicado ao Acervo da Irmandade dos Clérigos, vai ser regularmente apresentado algumas das peça existentes nas coleções e suas informações complementares.

Vai entrar numa viagem por um espólio do século XIII ao século XXI, através de coleções de torêutica medieval, ourivesaria, escultura, pintura, têxtil, mobiliário.

Adoração dos Reis

Designação: Adoração dos Reis Magos

Local de produção: Itália, provavelmente

Autor: Desconhecido

Cronologia: Séculos XVII-XVIII

Matéria: Tinta sobre pedra de ágata

Dimensões (cm): alt. 30; larg. 22,1; prof. 0,7

Nº Inventário: ICP 1766

O episódio da Adoração dos Magos é referido somente por São Mateus e não dá a indicação de serem «Reis» nem do número dos «Magos» que vieram adorar o Deus-Menino. Serão, mais tarde, os Evangelhos Apócrifos que, tentando colmatar as lacunas bíblicas acrescentam diversos detalhes, os quais são utilizados pelos artistas para completarem as suas narrativas.

Destacamos o Proto-Evangelho de Tiago (cap. XXI); o Evangelho de Pseudo-Mateus (cap. XVI) e o Evangelho Arménio da Infância (cap. XI). Também a presente pintura da Adoração dos Reis Magos reflete influências dos Apócrifos. Assim, diante da Virgem com o Menino ao colo, o rei mais idoso, vestido com trajes ricos, ajoelha-se diante de Jesus, depois de ter colocado a sua coroa e o cetro no chão, em sinal de reconhecimento do verdadeiro Rei, e oferece ao Menino o seu presente. Detrás desta figura encontra-se um pajem, também de joelhos, e que segura o longo manto do seu amo.

Em segundo plano encontram-se os outros dois Reis Magos cada um deles vestidos também com trajes elegantes, com a respetiva coroa na cabeça e os presentes na mão. Um deles, de pele mais escura ostenta, também um cetro. Cada um deles representa uma parte do mundo conhecido até então (Ásia, Europa e África) assim como as três idades da Vida. Desta forma, simbolizam todos os gentios pois foi para eles também que nasceu o Filho de Deus. Por outro lado, o facto de passarem a ser conhecidos como «Reis Magos» em vez de Magos, como refere São Mateus, deve-se ao facto de, a partir do século VI, o termo ser conotado de forma pejorativa. Assim, a sua transformação em «Reis» serve para indicar que os reis de todo o mundo conhecido vieram adorar o «Rei dos Reis» e, portanto, colocar em realce, a dignidade e a realeza do Menino, diante de quem os reis se curvam e retiram a coroa. Simbolizam, pois, todos os gentios para quem também nasceu o Deus-Menino. Breves apontamentos arquitetónicos compõem o cenário que revela, em último plano, do lado esquerdo, o séquito que acompanhava os Reis Magos, segundo os textos apócrifos. Graças a estes mesmos Evangelhos ficamos a saber que são três na medida em que apresentam os seus nomes: Melko, Gaspar e Baltazar.

Por sua vez, do lado direito, detrás da Virgem Maria encontra-se São José que, com a cabeça apoiada na mão, denota uma atitude pensativa e de admiração. Sobre a figura da Virgem Maria e do seu Filho, encontra-se um cirro de nuvens entre as quais sobressaem três querubins e onde também se recorta a estrela que tinha orientado os Magos, seguindo à sua frente e parando sobre o local onde nascera o Filho de Deus.

CASIMIRO, Luís – Pintura in Clerigus. Porto: Irmandade dos Clérigos, 2019. P. 217

Cristo Crucificado

Designação: Cristo Crucificado

Local de produção: Portugal

Autor: Desconhecido

Cronologia: Século XVIII

Matéria: Madeira entalhada e policromada

Dimensões (cm): Cruz: alt. 206; larg. 100. Cristo: alt. 110; larg. 83

Nº de Inventário: ICP 78

Descrição: Representação de Jesus Cristo crucificado, com uma coroa de espinhos cravada na cabeça, apresentando cabelos compridos ondulados e barba bifurcada. O torso apresenta intensas feridas, tal como os joelhos e tem os pés sobrepostos, cravados por um único cravo. Imagem de grande intensidade dramática devido às expressivas marcas da Paixão visíveis no Seu corpo e rosto.

Do extinto Convento de São Domingos proveio uma imagem do Cristo Crucificado que pelos milagres concebidos à população, designava-se Senhor Jesus do Coração da Cidade. Tal imagem, que se encontrava no postigo do extinto convento, veio a ser transferida para a Igreja dos Clérigos ainda no século XVIII, mais propriamente para o altar da Sacristia. Ora, como não há imagens que o provem e a informação dos inventários não ajuda, temos como referência mais antiga, uma fotografia que mostra o Senhor Jesus do Coração da Cidade no altar da Sacristia da Igreja (COUTINHO,1965: 268). Trata-se desta imagem de Jesus Cristo Crucificado, que em tempos esteve na Igreja dos Clérigos, conhecido pela invocação do Senhor da Salvação dos Esquecidos, e que hoje se encontra exposta no arco daquele que foi o altar da antiga Enfermaria dos Clérigos.

Oratório Portátil

Designação: Oratório portátil (templete)

Local de produção: Oficina indo-portuguesa, Goa

Autor: Desconhecido

Cronologia: Ca. 1750

Matéria: Marfim torneado, esculpido e policromado

Dimensões (cm): 10,5cm x 3,8cm

Nº de Inventário: ICP 1572

Descrição:

Oratório de forma cilíndrica, rematado com cúpula estriada. É constituido por duas paredes, uma interior e outra exterior, que rodam sobre si próprias, permitindo ver no seu interior a figura esculpida de Cristo Crucificado, ladeado por dois castiçais com velas. A caveira no fundo da base faz referência ao monte Gólgota. Na parte superior do braço vertical da cruz está aplicada uma cartela com a inscrição manuscrita «I.N.R.I» que significa «Jesus Nazareno Rei dos Judeus».

A viagem de Vasco da Gama à Índia, em 1497-1499, transfigurou o panorama das artes decorativas em Portugal, e igualmente um pouco por toda a Europa. Com a ligação marítima do velho continente ao imenso espaço do Índico e do Pacífico, afluíram à Europa objetos de luxo que até então, vindos por terra, atingiam preços muito elevados. No curto espaço de um século assiste-se à verdadeira globalização do comércio marítimo, trocando-se os mais diversos produtos e, especialmente no quadro do império português, uma complexa aculturação de formas entre a Europa, a África, o Oriente e as Américas. Materiais então pouco disponíveis no mercado europeu, como o marfim, chegavam à Europa.

Vários produtos exóticos chegaram à Europa, como por exemplo, estes interessantes pequenos oratórios portáteis, cuja forma parece inspirada nas guaritas renascentistas e protobarrocas das fortalezas portuguesas, e que aparecem citados no Japão como mais ou menos clandestinos, dada a proibição do Cristianismo depois de 1614. vai ser Estes objetos de pequenas dimensões e facilmente transportáveis, serviam para devoção privada.

Urna da Quinta-feira Santa

Designação: Urna da Quinta-feira Santa

Local de produção: Portugal

Autor: Nicolau Nasoni (desenho)

Cronologia: 1750

Matéria: Madeira entalhada, policromada e dourada; vidro

Dimensões (cm): Alt. (máx.) 232; larg (máx.) 210,5; prof. 75. Base: alt. 39; larg. 126; prof. 58

Nº de Inventário: ICP 77 (2)

Descrição:

Urna da Quinta-feira Santa ou do Santíssimo, de forma trapezoidal, assente em quatro pés ornamentados com volutas. Na frente possui um vidro emoldurado com aplicação de motivo decorativo floral, sendo as arestas decoradas com volutas.

O acesso ao interior, para colocação do «Santíssimo», faz-se pela parte de trás, que é vazada e fecha com uma pequena porta de madeira. Este tardoz apresenta reentrâncias onde encaixam os vinte e cinco resplendores. A tampa apresenta os mesmos motivos decorativos, sendo encimada pelo «Agnus Dei» sobre o Livro dos Sete Selos. A urna assenta numa base, também em talha dourada, decorada na frente e nas laterais com concheados intercalados com vidros. Era colocada no altar-mor, na Quinta-feira Santa, para exposição do «Santíssimo» aos fiéis.

Relicário com Santo Lenho

Localdeprodução: Oficina portuguesa (?)

Autor: Desconhecido

Cronologia: Séculos XVIII-XIX

Materiais e técnica: Cristal de rocha; filigrana de prata

Dimensões: 10,8 x 7,6 x 0,6

Inv.: ICP 1700 (2)

Descrição:

Cruz de vidro incolor, tendo no interior um pequeno fragmento do Santo Lenho, decorada com motivos florais em filigrana de prata.

Cruz Processional

Designação: Cruz Processional

Localdeprodução: Portugal (?)

Autor: Desconhecido

Cronologia: Século XVI

Materiais e técnica: Prata dourada e repuxada

Dimensões: 47 x 31 x 6 cm

Inv.: ICP 1620

Local da Peça: Museu dos Clérigos, Piso 3, Sala 2

Descrição:

Cruz arbórea com braços de secção circular, carregados com galhos divergentes. No Anverso apresenta pequena figura de Cristo e no Reverso ostenta, ao centro, medalhão circular liso, em ambos casos cantonados por motivo vegetalista. O sistema de fixação apresenta volumoso nó decorado com motivos vegetalistas repuxados.

Esta cruz encontra paralelo na cruz de prata dourada do Museu Nacional Machado de Castro, atribuída a 1500-1520 (MNMC, inv. 6084 O 21) (MNMC 1992, p. 102-103) ou na cruz de prata dourada do Tesouro da Sé de Évora.

BARROCA, Mário – Torêutica Medieval. In Christus. Porto: Irmandade dos Clérigos, 2016. P. 113.

Adoração dos Pastores

Designação: Adoração dos pastores

Proveniência: Itália

Cronologia: Século XVII

Materiais e técnicas: Pintura a óleo sobre cobre

N.º de inv.º: ICP 1765

Descrição:

Trata-se de uma composição dinâmica com a presença de várias figuras que na sua maioria buscam através do seu olhar, o Menino.

A natividade foi anunciado por um anjo aos pastores, cuja estrela os guiou até Belém. Depois de indicar o caminho aos pastores, o anjo passa a introduzir os embaixadores e apresenta-lhes o Menino Jesus.

Não se deve confundir a Anunciação dos Pastores com a Adoração dos Pastores, esta representação é mais recente que a primeira. Só apenas São Lucas fala na Anunciação aos Pastores: 8Na mesma região encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. 9Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor refulgiu em volta deles; e tiveram muito medo. 10O anjo disse-lhes: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: 11Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. 12Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura.»  (Lc 2, 8-15)

A representação da Adoração dos Pastores começou a ser frequente a partir do século XV, pois até então só se conheciam as representações da Anunciação dos Pastores.

As oferendas dos Pastores não se comparam às ofertas dos Reis Magos. Como é tradicional em termos iconográficos, costumam ser representadas várias oferendas dos pastores ao Menino, as quais vão sendo colocadas no chão em frente à manjedoura. São produtos associados ao seu trabalho de pastoreio que se destinam à Sagrada Família como forma de sustento. Os anjos, apesar de nos textos não haver registo da sua presença neste momento, é compreensível, pois a Anunciação foi feita por um anjo ao qual se juntou uma multidão de anjos do exército celeste.

Não há referência à presença dos animais nos Evangelhos Canónicos. Esta tradição, é referida pela primeira vez no século VI, no Evangelho apócrifo do Pseudo-Mateus: “Maria saiu da caverna; ela foi até o estábulo e colocou a criança numa manjedoura, e um boi e um burrico o adoraram” e assim se cumpria a profecia de Isaías: “o boi conhecerá o seu dono e o burro a manjedoura do seu senhor”. A arte traduziu literalmente este relato e começaram a aparecer os animais ajoelhados e a aquecer o Menino com a sua respiração.

Cruz de Via Sacra

Designação: Cruz

Proveniência: Portugal

Cronologia: Século XVII

Materiais e técnicas: Granito policromado

N.º de inv.º: ICP 7

Descrição:

Localizada na zona onde viria a ser construida a escadaria da Igreja dos Clérigos, a cruz da via sacra já ali estaria no terceiro quartel do século XVII, de acordo com o testemunho do mercador de retrós Manuel Marques, que com cerca de 80 anos em 1723, se lembrava desde pequeno de ver este padrão.

A esta cruz foi dado o nome de Cruz da Cassoa, por nela ter sido colocada em tempos, uma cruz de madeira para devoção da população. O nome "Cassoa" que causa alguma estranheza, pode estar associado a uma família de apelido Cação, residente no Porto, que terá mandado fazer a cruz como manifestação de piedade e devoção. Quem a mandou fazer terá sido um membro feminino da familia, o que originou a designação "Cassoa".

Por volta de 1750, a cruz da via sacra, que ficava muito perto da escadaria da igreja e prejudicava o esplendor da fachada barroca, foi removida e colocada mais abaixo, junto da muralha. Aquando da construção das casas no desmantelado Adro dos Enforcados, a cruz foi colocada no interior da Igreja dos Clérigos. Antes, porém, foi levada para a oficina de um pintor, talvez de Domingos Teixeira, para nela ser pintada a imagem de Cristo Crucificado.

No dia 13 de setembro de 1790, o Senhor da Pedra Fria foi colocado no interior da igreja tendo a Irmandade dos Clérigos decido criar um altar onde se pudesse dizer missa. O altar ficou situado junto ao arco que separa a galilé da nave da igreja, do lado do evangelho. No século XIX, o Senhor da Pedra Fria ou simplesmente Senhor da Pedra tinha devoção significativa junto da população, existindo até uma festividade anual em sua honra. Porém o altar só durou algumas décadas, pois por decisão do Padre José Luís Leite, o mesmo foi desmantelado. Em 1837, o Senhor da Pedra foi transferido para a Capela de Nossa Senhora da Lapa onde ficou até 2013.

Neste ano, dado o estado de conservação em que a Capela da Lapa se encontrava foi levado a cabo um projeto de recuperação que contou com uma equipa de vinte técnicos, que interviu durante três meses, atuando em diversas áreas: reabilitação, azulejaria, talha dourada, pintura sobre estuque e escultura policromada, permitindo a sua total recuperação. Esta empreitada obrigou a nova mudança de lugar do Senhor da Pedra, desta feita, foi colocado no átrio da antiga enfermaria dos Clérigos, permanecendo até hoje.

Arcaz

"DURANTE A INTERVENÇÃO DE RESTAURO DO ARCAZ, MÓVEL DE SACRISTIA DESTINADO A GUARDAR PARAMENTOS E ALFAIAS LITÚRGICAS, ENCONTROU-SE UMA TÁBUA CURIOSA"

Designação: Tábua

Proveniência: Brasil

Cronologia: Século XVIII

Materiais e técnicas: Madeira de castanho

Inscrição: Marcações feitas a tinta e a fogo

N.º de inv.º: ICP 264

Descrição:

A reconstrução da sacristia terminou em novembro de 1770. Na visita espiritual à igreja, concluiu-se que estava tudo bem, à exceção do arcaz, que não dignificava o espaço.

A obra com o novo arcaz acarretava uma despesa que a Irmandade não podia pagar, devido aos gastos que tinha tido com o retábulo-mor. Neste contexto, surge o Irmão Bento Rodrigues Guimarães que empresta o dinheiro necessário para a obra do novo arcaz e sem cobrar juros. A oferta do irmão Bento foi aceite em reunião da Irmandade, ficando esta de pagar o empréstimo quando lhe fosse conveniente.

E assim foi possível a compra de "6 caixões que foram de ter açucar" para a execução do arcaz, sob o desenho do arquiteto Manuel dos Santos Porto. A obra, dirigida pelo mestre carpinteiro Tomás Pereira da Costa, foi assim descrita num documento da época: "um caixão de pau preto com ferragem amarela, quase do comprimento de toda a sacristia, com quatro ordens de gavetões e na altura três em cada ordem".

Contudo, este arcaz não corresponderá ao arcaz que hoje existe, pois em 1783 a Irmandade dos Clérigos aprova a execução de novos "caixões". Apesar do aproveitamento das madeiras existentes no anterior arcaz, mais do que uma remodelação, terá sido executada uma obra nova, desta feita sob o risco do arquiteto portuense Damião Pereira de Azevedo.

Estilisticamente enquadrado no período neoclássico, mede cercade 8,90m de comprimento, 1,25m de altura e 1,20m de profundidade, tem doze gavetas (mais seis falsas nas ilhargas) e encontra-se assente sobre o pavimento de granito. Possui a frente, ilhargas e fasquio do tampo em madeira de de jacarandá, com decoração entalhada. As ferragens exteriores – puxadores, respetivos espelhos e espelhos de fechadura – serão executadas numa liga de cobre, latão ou bronze, revestidas a dourado, trabalho executado por Alexandre Luís Teixeira.

 As ferragens, em forma de elipse com orla perlada encimada por laçaria, têm ao centro, em relevo, uma grinalda de flores bem ao gosto francês e de inspiração neoclássica.

E se por aqui ficassemos, a história do arcaz seria semelhante a tantas outras histórias de peçasque fizeramo acervo do Museu da Irmandade dos Clérigos. Mas não, a história do arcaz não fica por aqui, pois a madeira utilizada na sua execução tem outra história.

O açúcar importado ao Brasil vinha em caixotes de madeira. A construção das caixas de transporte era de extrema importância na indústria açucareira, pois uma caixa mal construída causaria graves prejuízos ao produtor. As caixas teriam de ser "enxutas e bem aparelhadas, a saber barreadas por dentro nas juntas com barro, e folhas secas de bananeiro sobre o barro". (...) "logo se prega, usando de verruma, pregos e martelo e do gastalho ou gato, para apertar alguma tábua rachada.(...) Leva uma caixa oitenta e seis pregos.

As caixas eram marcadas com tinta ou ferro em brasa, e eram identificadas com o peso, o local de produção e o nome do encomendador. A madeira era depois reutilizada (1).

A Irmandade dos Clérigos adquiriu assim madeira de castanho, de boa qualidade e barata, comprando inicialmente seis "caixões" e mais tarde nove. Em dezembro de 1772 comprou mais um caixote, para que pudessem ser colocadas as tábuas nos fundos das gavetas.

A tábua que damos a conhecer é proveniente desses caixotes de açucar. E esta, em particular, foi utilizada na ilharga da extrema-esquerda do arcaz, e retirada durante os trabalhos de restauro executados em 2014.

 

 

1VALENTE, Adelina - Problemas de Identificação de Madeiras do Mobiliário Setecentista Português: análise botânica e designação comuns. In Matrizes da Investigação em Artes decorativas II. Direcção de Gonçalo Vasconcelos e Sousa. Porto: Universidade Católica Editora. P. 116.

Cruz de Limoges

"A PEÇA MAIS ANTIGA PRESENTE NA COLEÇÃO DA IRMANDADE"

Designação: Cruz de Aplicação

Cronologia: 1201-1215

Autor: Desconhecido

Materiais e técnica: Liga de cobre com esmaltes em champlevé e vestígios de douramento

Dimensões: 21,2 x 11,6 x 0,3 cm

Local de produção: Oficinas de Limoges (França)

Incorporação: Doação - "Coleção António Miranda"

Descrição:

Crucifixo que apresenta catorze orifícios destinados à fixação da placa no suporte (possivelmente uma arqueta ou uma cruz de madeira) e quatro orifícios para receber os cravos da figura de Cristo, infelizmente ausente. Como é usual nestas placas, a cruz apresenta braços com remates retilíneos e ostenta, ao centro, na interceção dos quatro braços, um generoso campo circular. O Anverso apresenta a silhueta do corpo de Cristo, o que permite verificar que este apresentava longo perizóneo que, à maneira românica, descia abaixo dos joelhos, e os dois pés cravados separadamente em supedâneo. Com exceção do espaço ocupado pela escultura de Cristo toda a restante superfície do Anverso é preenchida com esmalte azul (duas tonalidades), branco, verde e vermelho, em motivos que compreendem círculos, losangos e quadrifólios. Sobre a figura de Cristo, em cartela a esmalte azul, foi grafado o titulus, onde se lê a inscrição: XPS (Christus). A Sua cabeça apresentava-se glorificada por nimbo cruciforme, com cruz esmaltada a vermelho. O supedâneo, onde os dois pés foram cravados separadamente, recebeu também esmalte vermelho. Na base da cruz foi representado um monte com pedras, referência ao Gólgota. A restante superfície da cruz foi densamente decorada com motivos em esmalte. O Reverso é liso e desprovido de qualquer ornamentação esmaltada, uma vez que se destinava a ficar oculto.

Esta placa foi produzida nas conhecidas oficinas de Limoges e tem muitos paralelos que a permitem classificar dentro do primeiro quartel do Século XIII. Registemos as placas do Museu Municipal de l’Evêché, em Limoges (Inv. 274, 304, 305, 335), do Tesouro da Catedral de Nancy, do Museu de Belas-Artes de Chalons-en-Champagne (inv. 861.1.382 e 384), do Museu Paul Dupuy de Toulouse (inv. 18117) ou da Igreja de Saint-Pierre-ès-Liens (Le Donzeil, França) (GAUTHIER 1972; ARMINJON et alii 1995). Conhecem-se modelos mais arcaicos - como a placa do Musée de La Sénatorerie de Guéret (inv. AO-19), atribuída a c. 1190 – e exemplos mais tardios – como a placa do Metropolitan Museum of Art, de New York (inv. 17.190.786), dos meados do Século XIII.

O paralelo mais estreito que conhecemos é, no entanto, a Cruz de Terrazas (Museo del Retablo, Iglesia de San Esteban, Burgos), que apresenta enormes afinidades com o nosso exemplar, até mesmo na base pétrea representando o Gólgota (LÁZARO LOPEZ 1993, pp. 114-115; Exp. O Românico…, 1998, pp. 161-163). O mesmo tipo de embasamento pétreo encontra-se também na Cruz de Sanzoles (Palácio Episcopal de Zamora) (Exp. O Românico…, 1998, pp. 158-160).

Em Portugal existem pelo menos mais duas peças semelhantes: uma placa procedente da Col. Barros e Sá, hoje integrada no Museu Nacional de Arte Antiga (Inv. 493 Met) (MNAA, 2003, p. 77) e uma outra pertencente à Col. Correia de Campos (CAMPOS s/d, Est. 3).

BARROCA, Mário Jorge – Torêutica Medieval. In Christus. Porto: Irmandade dos Clérigos, 2016. P.